terça-feira, 13 de dezembro de 2011

OS MESTRES TAMBÉM PECAM

Luis Buñuel em ação
O título desta postagem, com esse tom melodramático, se explica pelo filme a que assisti na noite desta segunda-feira. Inegavelmente, Luis Buñuel é um dos gênios da história do cinema, e eu acompanho esta opinião, tanto que tenho em casa uma caixa com três DVDs de filmes do cineasta espanhol, sendo que um deles é o que considero o seu melhor e um dos maiores que já vi (e revi algumas vezes): O Anjo Exterminador (El Ángel Exterminador, 1962)

No entanto, pude constatar que nem sempre Buñuel (1900-1983) acertou. Aliás errou feio, mas não sem motivo, quando dirigiu Escravos do Rancor (Abismos de Pasión, de 1953). É certamente um dos piores filmes que vi na minha vida este que Buñuel realizou como adaptação do livro O Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heighs, 1847), da escritora britânica Emily Brontë. Com um elenco de péssima qualidade, o cineasta espanhol, que já havia escrito seu nome na história do cinema com as obras surrealistas Um Cão Andaluz (Un Chien Andalou, 1929) e A Idade do Ouro (L’Âge D’Or, 1929), ambos com Salvador Dalí, conseguiu realizar uma novela mexicana. Um melodrama dramático para todos os admiradores de Buñuel.


No entanto, há uma explicação para o cineasta espanhol ter realizado um filme tão ruim. Depois de escapar das garras da ditadura de Franco, foi para os Estados Unidos, onde nunca conseguiu pôr em prática sequer um de seus projetos. Trabalhou no Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York, mas teve de deixar o país, ao ser identificado por seu ex-amigo Dalí como simpatizante do comunismo. Ficou 15 anos sem filmar e partiu para o México, país que acolheu artistas e intelectuais espanhóis.

Cena de "Viridiana" (1960)

Porém, o início não foi fácil. Mesmo assim conseguiu êxito artístico com Os Esquecidos (Los Olvidados, 1950, outro filme da caixa que tenho em casa), mas, sem dinheiro, Buñuel começou a dirigir filmes por encomenda. Chegou a fazer uma versão de Robinson Crusoé no mesmo ano de Escravos do Rancor. E mostrou que apenas por dinheiro, mesmo que haja sucesso, até os mestres se enganam. Dalí, aliás, é um grande exemplo disso.

Superada essa fase, Buñuel consolidou a sua carreira com filmes emblemáticos, como Viridiana (1960, o terceiro filme da caixa de DVDs), que estranhamente conseguiu realizar na Espanha. O regime de Franco deixou uma brecha, e Buñuel penetrou para questionar a máxima da caridade cristã de que dando aos pobres se empresta a Deus. A cena dos mendigos à mesa parodiando A Última Ceia é antológica (foto acima).

Cena de "O anjo exterminador" (1962)

Voltou ao México onde filmou O Anjo Exterminador, em que torna a visitar o surrealismo. Inexplicavelmente, uma das marcas do diretor, a repetição de uma cena pouco depois de sua exibição, foi cortada no DVD deste filme como se fosse um erro de montagem. Lamentável.

Depois, na França, Buñuel emplacaria uma obra-prima atrás da outra, contando com roteiros de Jean-Claude Carrière e uma liberdade para criar que não encontrara desde os filmes que fizera com Dalí. Assim, vieram, entre outros, A Bela da Tarde (Belle de Jour, 1967), com Catherine Deneuve fazendo o papel de uma mulher frígida com o marido que se prostitui numa discreta casa todas as tardes; O Discreto Charme da Burguesia (Le Charme Discret de la Bourgeoise, 1972), e Esse Obscuro Objeto do Desejo (Cet Obscur Object du Désir, 1976), no qual utiliza duas atrizes (Ángela Molina, na foto acima, e Carole Bouquet, na foto abaixo) para o mesmo papel, Conchita, uma personagem traiçoeira que manipula um homem maduro (Fernando Rey, em ambas as fotos). 

Veja também:
Cinema, música e futebol no YouTube
A Terra de Salgado


Eu só percebi que eram duas atrizes que faziam o mesmo papel na segunda vez que assisti. Uma interpretava a Conchita sedutora e a outra a Conchita cruel. Muita gente não conseguiu perceber, apesar da grande diferença entre Ángela e Carole. Coisa de gênio. 

Ele admitiu que realizou filmes com histórias, atores e em condições que não desejava, mas mesmo assim não renegou uma obra sequer sua. Não quis esconder seus erros. O cineasta espanhol, que se declarava ateu, pecou quando precisou trabalhar apenas por dinheiro e foi divino quando lhe deram liberdade para criar.

Veja também:
Entrevista: Nelson Pereira dos Santos
Beleza e caos: Arte em toda parte
Nise da Silveira, o afeto e a Arte como poder
Música pra viagem: Premin

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A GRANDIOSIDADE DE VICTOR HUGO

Sou um leitor e espectador de muita sorte. Volta e meia o que leio e ou assisto se entrecruza, permitindo que eu consiga ter uma noção ainda maior sobre aquilo que li ou assisti. Acrescenta, enriquece, alimenta. 

Desta vez, uma sutil coincidência me fez mensurar (se é que isso é possível) a grandiosidade do escritor francês Victor Hugo (1802-1885), que pessoalmente teve uma vida tão trágica quanto Nelson Rodrigues. Estava eu já nas últimas páginas do belíssimo Os Miseráveis (Les Misérables, 1862), que me foi gentilmente emprestado pela minha amiga de longa data Luciana Tecídio, quando fui rever o filme Camille Claudel (de 1988), com Isabelle Adjani no papel da atormentada e brilhante escultora, e Gerard Depardieu, no de Rodin (direção de Bruno Nuytten). 

Uma passagem no fim do filme cairia no meu esquecimento novamente se não estivesse envolvido com o livro. É a cena em que é anunciada a morte de Victor Hugo. A comoção do povo francês, desde artistas a pessoas comuns, retratada na obra de Nuytten confirma o que li sobre o escritor - um cidadão do mundo, como se intitulava - no resumo de sua vida impresso nas últimas páginas do segundo volume de Os Miseráveis. A cena é rápida, se passa nas ruas de Paris, com Rodin comovido se preparando para ir ao funeral, mas bem significativa.

Já havia lido antes O Último Dia de um Condenado à Morte e O Corcunda de Notre Dame, mas foi em Os Miseráveis que Victor Hugo me arrebatou de vez, especialmente com o personagem principal, Jean Valjean. Em breve partirei para Os Trabalhadores do Mar, que já tenho em casa desde os anos 90, mas antes já me vejo às voltas com outro ex-presidiário, Franz Biberkopf, de Berlin Alexanderplatz, livro de Alfred Döblin que Fassbinder filmou e que desde os anos 80 o cerco para assistir, o que não é fácil, já que são 15 horas de filme, divididas em oito episódios. 

Porém, Valjean já faz parte da galeria de grandes personagens com os quais me deparei. E lembro de Julien Sorrel, de O Vermelho e o Negro (1830), obra de outro grande escritor francês, Stendhal. Na verdade, em comparação, Sorrel estaria mais próximo de Marius do que de Valjean, mas o que destaco é o efeito que certos personagens nos provocam, como se fossem reais. Se em Guerra e Paz (1865), de Tolstoi, presente que ganhei do meu ex-companheiro de trabalho Marcus Veras, vi Napoleão se estrepar na Rússia, agora, com Os Miseráveis, o revi em Waterloo, novamente como um personagem importante no pano de fundo que conduz os fatos históricos assistidos e vivenciados por Pedro (ou Pierre, segundo a mais nova tradução, direto do russo) Bezukhov e Valjean e Marius.

Veja também:
Conexões
A brutal delicadeza de Kieslowski


No entanto, as conexões são muitas e outras vieram. Na mesma semana assisti a Meia-Noite em Paris (a capital francesa novamente presente!), de Woody Allen, e posteriormente O Estranho (ou Curioso) Caso de Benjamin Button. Onde está a conexão, movida pelo acaso (ou seja lá o nome que se queira dar)? O primeiro personagem que Gil Pender (Owen Wilson) encontra na sua viagem pelo tempo no filme de Allen é o escritor Scott Fitzgerald. E é justamente baseado num conto desse escritor americano que David Fincher dirigiu a história de Benjamin Button - que nasce velho e morre bebê - interpretado por Brad Pitt.


O fio condutor dessas conexões artísticas não será rompido, pois sei que outras virão. Estou preparado, atento e curioso. Porém, agora quero apenas dizer uma coisa: obrigado pelos ótimos momentos que me proporcionou neste ano difícil, Monsieur Victor Hugo.

Ilustrações (na ordem, de cima para baixo): Victor Hugo, de Auguste Rodin; Jean Valjean retratado no Les Misérables original, e Victor Hugo e as Musas, de Auguste Rodin.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

SÓCRATES, O DOUTOR DA BOLA

Assim como Afonsinho e Tostão, Sócrates conseguiu conciliar o estudo da Medicina com belas jogadas nos campos de futebol profissional. E como os outros dois, foi acima da média tanto dentro como fora das quatro linhas. Por sorte, ele não teve a carreira nos gramados tão abreviada como as do ex-jogador de Botafogo, Olaria, Flamengo e Fluminense e, principalmente, a do ex-Cruzeiro, Vasco e Seleção Brasileira. Porém, da vida despediu-se bem antes, aos 57 anos, no último domingo.


Muitas e justíssimas homenagens já foram feitas ao Doutor e, eu que tive a sorte de vê-lo jogar ao vivo muitas vezes pela TV e em algumas ocasiões no Maracanã pelo Corinthians, pelas Seleções Paulista e Brasileira e também num Fla-Flu de 1986, quando iniciava sua breve passagem pelo Rubro-Negro, presto aqui a minha singela com um jogo pouco lembrado: França 1 x 3 Brasil, em 1981. Esta partida foi a segunda da brilhante excursão à Europa que ainda teve as vitórias sobre a Inglaterra, em Wembley, por 1 a 0, e depois sobre a Alemanha, por 2 a 1, de virada, em Stuttgart.

Veja também:


Curiosamente, a partida contra a França não pude ver ao vivo, por causa do colégio ou do curso de inglês, mas o baile de bola que a Seleção Brasileira deu no Parc des Princes, em Paris, foi inesquecível para quem aprecia a arte no futebol. O time que Telê imaginava escalar na Copa da Espanha, no ano seguinte, tinha o genial Reinaldo no ataque, mas ele se contundiu, o treinador tentou Careca, que também se machucou, e acabou optando por Serginho Chulapa, em vez de Roberto Dinamite. Mas isso é outra história. 

No jogo em Paris, Sócrates, Zico e o artilheiro do Atlético-MG, autores dos três gols do Brasil, deram uma aula no excelente time francês, que em 82 foi junto com o Brasil os dois últimos representantes do futebol-arte no mundo. Fica aí, para quem souber apreciar, as belas jogadas do Doutor Sócrates, incluindo um gol de placa, e seus companheiros de então. É de arrepiar!

  

FICHA TÉCNICA
FRANÇA 1 x 3 BRASIL
15/5/1981 - Amistoso
Local: Parc des Princes (Paris-FRA)
Público: 47.749
Árbitro: Gianfranco Menegalli (ITA)
Expulsão: Six 45 do 2º tempo.
Gols: Zico 21 e Reinaldo 27 do 1º tempo; Sócrates 7 e Six 36 do 2º tempo.
França: Dropsy (Castaneda, intervalo), Janvion, Lopez, Tresor (Specht, 23 do 1º) e Bossis; Tigana, Moizan e Genghini; Rouyer (Lecornu, 33 do 2º), Anziani (Delamontagne, 14 do 2º) e Six. Técnico: Michel Hidalgo.
Brasil: Paulo Sérgio, Edevaldo, Oscar (Edinho, 33 do 2º), Luizinho e Júnior; Toninho Cerezo, Sócrates (Vítor, 33 do 2º) e Zico; Paulo Isidoro, Reinaldo (César, 18 do 2º) e Éder (Zé Sérgio, 28 do 2º). Técnico: Telê Santana.
Foto: Sócrates com a bola, Falcão ao fundo, na partida Brasil 3 x 1 Argentina, pela Copa da Espanha, em 1982 - J. B. Scalco.

Tudo o que foi publicado em dezembro de 2010.